segunda-feira, 3 de outubro de 2011

As diferenças dos verbos gregos no dialogo de Jesus e Pedro em João 21.25-17 - Francisco Mário

Pr. Francisco Mário

No mundo da Erudição e dos estudiosos da Bíblia paira uma mania e um perigo: Quando um livro é escrito ou um escritor traz uma tese, geralmente os outros eruditos seguem sem questionar, sem falar nos estudantes de teologias e seminaristas. Um exemplo disso é a exegese truncada e defeituosa de Jo 21.15-17 dizendo que não há diferença de significado entre os verbos agapao e phileo. Apesar de respeitar as interpretações de alguns autores, inclusive da Editora Vida Nova, bem como Luiz Sayão que fez um breve apanhado dessa exegese na revista Enfoque, tem-se que afirmar que a negação das diferenças de significado desses dois verbos consiste em lapsos de exegese, bem como erros sutis de hermenêutica.

Toda língua tem palavras com suas denotações e conotações diversas. O que para o português o verbo amar não diz respeito a vários significados, mas nas outras línguas não é assim. Para os gregos eles tinham, pelo menos quatro acepções para o que traduzimos para amar: agapao, phileo, erao e stergo. Para os gregos o uso dessas palavras tinham acepções especiais e distintas, dentro do significado semântico da época. Por exemplo: o verbo phileo queria dizer ter afeição, incluindo sentimentos. Segundo o Dr. W. Gunther no Dicionário Internacional de Teologia do N.T. ele afirma que "as idéias que se vinculam com phileo não têm ênfase claramente religiosa". Para os gregos o verbo phileo leva um significado de um gostar mais subjetivo, instável, amigável. Para o verbo agapao, a literatura secular grega denota como tratar com respeito, dar boas vindas, estar contente com. Todas essas acepções demonstram objetividade e prática. Há ocasiões que o significado é alguém favorecido por um deus (cf. Dio. Cris., Orationes 33, 21, citado pelo DITNT, Editora Vida Nova Vol. 1). Há ocorrência do substantivo agape como título à deusa Ísis (P. Oxy. 1380, 190; século II d.C.). O que se pode notar claramente pelas acepções do grego secular é que os significados eram claramente distintos em suas essências. Um demonstrava significado mais subjetivo, de amizade; o outro, mais prático e relacionado a deuses. Se os escritores que escreveram o NT usavam a língua grega, tem-se que esperar que eles atentavam para as diferenças de significados, pois, caso contrário, eles entrariam numa confusão semântica.

F. F. Bruce defendendo as palavras como sinônimas no seu comentário de Jo 21.15-17 demonstra que em Gn 37.3 na LXX é usado o verbo agapao, mas no verso posterior v.4 é usado phileo. Com isso ele chega a uma conclusão que o texto de João 21 as palavras são sinônimas também. No mesmo parágrafo do comentário, ele escreve: "o verbo agapao em si não denota necessariamente um amor mais sublime; isto só ocorre quando o contexto o deixa evidente" (BRUCE, F. F. João, Introdução e Comentário, Vida Nova pág. 345). Seguindo o conselho do Mestre F. F. Bruce é que se discorda dele mesmo, porque o contexto e a análise exegética demonstram que em João 21.15-17 os verbos têm significados diferentes. Essa alusão de Gn 37.3,4 não é decisiva para se dizer que em João 21.15-17 os verbos agapao e phileo têm significados semelhantes. Primeiro que os rabinos eruditos que escreveram a LXX poderiam ter interpretado o verbo 'aheb no verso 4 como uma afeição além do significado do verso anterior, pois isso era normal da tradução rabínica da LXX. Segundo, mesmo que tenha o mesmo significado, não desfaz o contexto exegético de João 21.15-17. Na linguagem, embora que possa até haver um significado pelo outro, mas se deve ter todo o cuidado e não pensar que todas as vezes que algumas palavras diferentes vierem num mesmo texto são sinônimas. Apesar de que para a nossa língua uma palavra possa parecer sinônima, mas na verdade, o público alvo primitivo da língua original via claramente a diferença. Por exemplo, temos as advertências de Paulo aos Gálatas 5.19, 20 onde ele escreve moicheia, porneia, akartharsia, aselgeia e que todas essas palavras nos idiomas ocidentais quase têm o mesmo significado. Não obstante haver palavras que os evangelistas usaram uma pela outra como o verbo moicheo derivado do substantivo moicheia em Mt 5.28, mas em Gálatas ele coloca como distinto, pois o que para nós quase não tem diferenças, para o público grego havia distinções consideráveis. O outro verso de Gálatas dá outro exemplo: thumoi, eritheiai, dichostasia, hairesis. Na língua portuguesa essas palavras quase não têm diferenças em significado, pois todas elas dizem respeito a contendas e divisões. Porém, o que para nós o significado não tem quase diferença, para o público alvo havia uma considerável distinção de significado. Portanto, deve-se ter muito cuidado ao dizer que duas palavras têm a mesma denotação num texto, exceto se o contexto e a gramática confirmarem claramente, que não é o caso de João 21.15-17.

Um dos argumentos, até infantil, usado é que Jesus falou em aramaico e no aramaico não há diferenças nos verbos. Embora que não se possa provar essa declaração, pois não se saberia quais as palavras que Jesus e Pedro usaram especificamente no diálogo em aramaico, mas o texto inspirado é o texto que João escreveu na língua grega. Não obstante que Jesus tenha falado em aramaico com Pedro, é irrelevante saber quais as palavras em aramaico, porque o inspirado foi o texto final escrito em grego koinê e nesse há diferenças muito óbvias.

Quem mais explorou o verbo agapao foi o evangelista João. Ele demonstra que esse amor é uma prática sacrificial completamente objetiva em prol de alguém (Jo 3.16; 15.12,13; 1 Jo 4.10). João sabia que os dois grandes mandamentos falados por Jesus eram com esses verbos na LXX (Mc 12.29-31), mostrando com isso a supremacia em relação a phileo. Quando João cita phileo separadamente como em 5.20 do amor do Pai para com o Filho; 16.27 do amor do Pai para com o homem, não implica dizer que todas as vezes que esse verbo vier seja sinônimo de apapao. Inclusive pode-se pensar também que João queira mostrar uma afeição da parte do Pai para com o Filho e para com aqueles que os seguem, já que Deus é um ser pessoal. É difícil pensar que João, tendo demonstrado o amor de Deus sacrificial e gracioso em agapao, agora queira colocar uma palavra que demonstre um amor humano, instável e afetivo no lugar do que ele mesmo escreveu. Se isso foi um estilo de João, por que ele não usou phileo por agapao nas suas epístolas? Todo escritor usa uma forma estilística com o objetivo de embelezar sua obra. Se esse foi o caso, por que João não usou nas epístolas onde mais falou de amor? Outro fator importante: usar o verbo phileo separadamente é diferente de usá-lo como sinônimo de agapao no mesmo contexto. Dessa forma nenhum escritor usou no NT, exceto João. Será que todos os outros escritores eram tão incultos que somente João usou esse estilo para essas duas palavras e esse somente no diálogo de Jesus e Pedro? Apesar de Paulo ter usado phileo também em 1 Co 16.22, mas por que Paulo não usou phileo por agapao em 1 Co 13 e em outras passagens no mesmo contexto? será que Paulo não tinha esse estilo para agapao e phileo? Deve-se lembrar que o verbo usado separadamente não é a mesma coisa que usá-lo num mesmo contexto. Portanto, esses poucos versos que phileo é usado no Evangelho de João não são decisivos para desfazer as diferenças de significado na interpretação de Jo 21.15-17. O Dr. William Hendriksen, um dos mais respeitados exegetas reformados do NT, admite as diferenças desses verbos. Ele afirma que as diferenças deles estão entre devoção e apenas emoções. Hendriksen, comentando o verso 16 diz: "Pedro dá a mesma resposta de antes. Ele ainda não ousa afirmar que possui o amor de teor mais elevado" (Comentário do NT, pág. 927, Cultura Cristã). Realmente quando se analisa o texto de uma forma mais profunda, não se tem alternativa, se não, dar aos verbos significados diferentes.

ANÁLISE TEXTUAL

Simon Iona, agapas me pleion touton (v.15)

Simão conhecia muito bem do que Jesus ensinou sobre amor. Um amor de alguém dar a vida por outra pessoa e um amor de orar pelos inimigos (Jo 15.13; Mt 5.44). Os apóstolos traduziram por agapao esse amor. Portanto, Pedro sabia muito bem do que Jesus perguntava. Na construção grega Jesus amplia o significado do verbo agapao, pois a locução comparativa é composta de um adjetivo neutro polu na forma comparativa formando uma expressão adverbial, pois modifica o verbo agapao. A pergunta de Jesus é se Simão o ama mais que aqueles que estavam ali, logo Jesus identifica a qualidade do amor que pergunta, pois a frase é adverbial modificando o verbo agapao. Portanto, pleion touton justifica o uso de agapao, pois é um amor superior. Pedro sabia do "amarás ao Senhor teu Deus de todo coração" e Jesus evoca um amor superior que não poderia ser como a resposta de Pedro. O Dr. Werner de Boor, em seu comentário do Evangelho de João, afirma: " Ao perguntar, Jesus usou o termo pleno e vigoroso para amor que tem força suficiente para expressar também o amor de Deus. Pedro não ousa aplicar essa palavra agape para sua posição perante Jesus" (Comentário Esperança, pág. 209, Editora Esperança). Assim Jesus repete mais uma vez se Pedro o ama com o verbo agapao. Pedro responde com um sim categórico, mas com um conceito diferente do que Jesus lhe perguntou. Pode ser que Pedro, quando disse: " tu sabes", queira se referir ao episodio da negação de Cristo; mostrando com isso que Jesus era testemunha que seu amor era apenas como uma amizade, não como o mandamento dito pelo seu Mestre.

legei auto to triton simon iona phileis me? Elupethe ho Petros hoti eipen auto to triton "phileis me"? (v.17)

João declara que Jesus pergunta a Pedro pela terceira vez, e desta vez usa o verbo phileo. Caso se diga que os significados são sinônimos, estar-se-ia colocando Jesus num dialogo redundante e sem sentido. Por que Jesus perguntaria três vezes a Pedro a mesma coisa? Se alguém argumenta que seria uma forma de Jesus demonstrar a Pedro que ele não o amava necessariamente, apesar de ser um estilo não inteligente, esse argumento aumenta as evidências das diferenças de significado dos verbos, pois Pedro responde três vezes que o ama, só que phileo.

O argumento mais forte e decisivo é exatamente o comentário do próprio evangelista João ao afirmar que Jesus pergunta pela terceira vez. João declara que Pedro ficou triste e afirmou o motivo: "Porque Ele lhe disse: Amas-me?". O próprio autor do livro repete novamente o verbo na expressão que Jesus falou: "phileis me?". O autor demonstra que a razão da tristeza de Pedro foi exatamente a expressão que Jesus falou, pois João a repete. Fica óbvio que Jesus estava levando a Pedro a refletir sobre o amor objetivo de entrega e de devoção em contraste com uma simples afeição e amizade como traduz o Dr. Hendriksen.

Alguns argumentam que por existirem algumas outras palavras sinônimas no texto como bosko e poimano; arnion e probaton; oida e ginosko, dizem que é um sinal que agapao e phileo querem dizer a mesma coisa. Segundo o Dr. Hendriksen, o motivo de Jesus falar cordeiros e ovelhas demonstra uma generalização da sua igreja, que inclui cuidado com todas as faixas etárias. Embora que pareça a mesma coisa, mas para os ouvintes era importante, como também os verbos bosko - alimentar e poimaino - pastorear podem demonstrar um ministério completo de pastorear incluindo o cuidado de suprir e alimentar. As diferenças dos verbos oida e ginosko demonstram diferenças semânticas no próprio NT, pois oida significa um conhecimento mais abrangente (Mt 15.12; Jo 13.7; 16.30), ginosko, mais prático (Lc 10.22; Jo 7.27). Se fosse apenas um estilo, João teria colocado na segunda resposta de Pedro ginosko, mas não foi o caso. Portanto, Pedro poderia estar afirmando que Jesus tanto sabia (oida) todas as coisas como também sabia na prática (ginosko) por causa da sua negação. Pedro não ousou declarar que o amava no amor mais completo e perfeito de entrega, mas apenas em afeto. Pedro sempre leva a triste lembrança da sua negação e que Jesus o cura levando a enfrentar uma realidade: Embora que Pedro tenha sido falho no amor para com o seu Mestre, ele o ama com um amor eterno. Portanto, esses aparentes sinônimos não desfazem as diferenças de significado.

Realmente tem-se que admitir que a negação das diferenças de significado dos dois verbos empobrece a cena e leva até ter uma noção de um Jesus com um diálogo não inteligente, repetitivo, pois Pedro termina suas respostas sempre dizendo que ele sabia todas as coisas. Dizer que Pedro estava dizendo que amava a Jesus com um amor Pleno é classificar Pedro como arrogante e ainda não tratado.

Sente-se pelos exegetas que vão pelo caminho de uma exegese que elimina a beleza de um texto e que obscurece a beleza da língua grega e da mensagem que Deus queria realmente falar aos povos de todas as nações, deixando de ouvir os gritos do próprio texto que realmente havia uma intenção diferente para os verbos gregos.

Fonte: http://www.mesanodeserto.com

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